sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Respeitem o templo inviolável que é o nosso corpo.




Dizem por aí que o feminismo radical se assemelha ao fundamentalismo religioso, se mulheres têm denunciado dessa forma considero fundamental que tratemos disso, nada deve ser abafado.
Lésbica desde que me entendo por gente, por duas vezes na vida me senti suja por amar outras mulheres. A primeira delas, quando no cristianismo, e a segunda por mais inusitado e triste que seja, no feminismo.

Nascida numa família conservadora e cristã, eu entendi desde cedo que ser mulher é um pecado mortal, afinal Eva carrega nas costas todo o peso e desgraça do mundo, mas ser mulher e lésbica é um pecado irrevogável.
Homens não aceitam que mulheres amem suas iguais, porque isso implica na perda de privilégios, eles acreditam que somos suas propriedades e através do pênis que não se limita a uma opressão simbólica, mas, também, material, têm nos dominado.

“Deus ama o pecador, mas não ama o pecado”
Quantas de nós já não ouvimos isso? Isso, inclusive, pode ser colocado como parte da cultura do estupro que usa de coerção para fazer mulheres, no caso lésbicas, cederem a sexo não consentido. Se mulheres cedem a sexo nessas condições, chamamos estupro. Temos um estupro consumado, não há eufemismo pra isso.
Mas sim, por muitas vezes esse discurso me machucou de todas as formas, eu sentia nojo de mim e vergonha, não queria que minha família e amigos soubessem, em partes porque não queria magoar pessoas que eu gosto, mas nunca quis estar com homens. Não podia mais resistir ao que sou, então aceitei meu “"trágico”“ destino.
Porém, ao viver do que eu era, ter contato com outras lésbicas e nossa cultura que tem sido construída há milhões de séculos, eu pude, pela primeira vez, ser quem eu era de verdade, sem culpa, sem peso, sem nojo. 
O conhecimento trazido pelo feminismo, me libertou da ignorância imposta.
Contudo, minha paz teve fim, quando me vi em conflito com a reforma de gênero. A academia me propôs um mundo mágico, onde todas as opressões poderiam num passe desaparecer, e a internet contribuiu pra isso, também!

Quanta ingenuidade! Eu, mulher e lésbica, acreditar que a academia, liderada por homens, estava comigo e por mim, por mim e minha classe!
No início, tudo era incrível, mas pouco a pouco esse castelo começou a desabar sobre minha vida e de outras mulheres.
"Lésbicas, têm todo o direito de não se relacionarem com pênis, mas se não se relacionarem, se reduzirem pessoas à genitália são transfóbicas”
Em que isso se parece com o livre arbítrio e autonomia que mulheres têm buscado sobre seus corpos? Isso, inclusive, pode ser colocado como parte da cultura do estupro que usa de coerção para fazer mulheres, no caso lésbicas, cederem a sexo não consentido. 
Se mulheres cedem a sexo nessas condições, chamamos estupro. Temos um estupro consumado, não há eufemismo pra isso.
Mais uma vez, um discurso propagado por machos e reproduzido por mulheres. Agora, a cultura do estupro encontrou abrigo no colo do feminismo e mais uma vez eu me sentia culpada e suja por negar a sexo com pênis e amar exclusivamente mulheres.
Tinha vergonha e temia magoar pessoas que gosto e respeito.
Céus! Esse foi o meu inferno, eu apoiava a causa trans, e nunca enquanto estive no trans"feminismo" falei sobre isso, eu passava por tudo calada, mesmo porque esse é um assunto proibido, e a própria teoria reformista já coloca lésbicas em situação de vulnerabilidade porque lésbicas não querem deslegitimar a “identidade” de nenhuma “mulher trans”, mesmo mulheres heterossexuais ficam expostas a abusos de machos.
Sim, pois elas também aceitam todo o tipo de machismo e misoginia travestidos em estereótipos femininos porque não querem deslegitimar a “identidade” de alguém. Elas acreditam nisso, como um dia eu acreditei e são exploradas em sua boa fé como eu fui.
Aquelas que não aceitam e tentam dialogar são jogadas à fogueira por transativistas, porque assim como o “amor divino” não está para aqueles que renegam os contos bíblicos, a sororidade não se estende a feministas radicais. 
Na verdade, a sororidade não se estende a nenhuma mulher que ouse questionar sobre seu próprio corpo e sexualidade.

Cospem à nossa cara, nos ameaçam de estupro e morte num movimento que inquestionavelmente já se provou antifeminista.
Enquanto mulher, não temos poder político pra oprimir machos, a cada doze segundos um pênis estupra uma mulher por dia, mas nunca vi relato de que uma vagina tenha estuprado um homem. Não nos forcem a sexo com machos, não reduzam nossa opressão a nada, não ignorem a realidade e RESPEITEM a comunidade lésbica.
Socialização, infelizmente, não desparece porque alguma teoria achou que sim. Isso é sobre a segurança física e emocional das mulheres, é sobre a libertação da classe feminina e consequentemente de outros grupos reprimidos pelo sistema patriarcal.
Ao contrário do que pensam, feminismo não é mãe de todos os fracos e oprimidos, feminismo é um movimento social e como tal precisa foco: pessoas que nasceram com determinadas características físicas/biológicas e foram violentamente socializadas mulheres.
Agora que já identificamos o fundamentalismo presente no transativismo, vale dizer que nenhuma feminista radical me proibiu de sexo com pênis ou me obrigou a sexo com boceta. Nunca. 
Eu como feminista radical deixo a seu critério a decisão sobre com quem quer se relacionar sexualmente, sem nenhum peso de julgamento, que você possa decidir sobre seu corpo, mas que a escolha seja de fato, uma escolha, uma escolha só sua.
Mas não acreditem quando são chamadas de transfóbicas. Não acreditem quando dizem que reduzimos mulheres à genitália porque isso não é verdade, é falácia inventada por pessoas do sexo masculino. Há milhões de anos os homens têm criado novas formas de oprimir e dominar mulheres, dessa vez não é diferente, eles tiveram uma sacada!
A teoria reformista não liberta nem mesmo “transmulheres” e travestis que são marginalizadas pela sociedade porque a colonização do feminismo se trata justamente da manutenção do patriarcado que é por si lesbofóbico e homofóbico.


Reflitam, mulheres. 
Meu discurso não visa lhes impor nada, é um convite à reflexão.
Eu amo mulheres por motivos que não sei explicar, nunca reduzi mulheres à genitália, o patriarcado é que faz isso e mulheres me inspiram a lutar todos os dias da minha vida pela humanização de nossa classe. 
Eu me reconheço em você, sei que você se reconhece em mim, também… a dor de ter sido transformada mulher nós conhecemos bem. Amo saber que quando nossos lábios se tocam as estruturas patriarcais se abalam, adoro saber que a união de nossos corpos tem o poder de destruir o patriarcado.
Mas isso não é sobre o feminismo radical ou necessariamente sobre política. A lesbianidade é anterior ao feminismo e transativismo, então isso é sobre ser mulher e amar exclusivamente outras mulheres, é algo tão íntimo que nenhum macho no mundo nunca vai entender do que se trata.
Não precisa concordar comigo publicamente, sei que no fundo você me entende por ser mulher e lésbica como eu. Não me preocupo que você levante uma bandeira, me preocupo principalmente com a sua segurança, independente da vertente que queira seguir, ou mesmo se não quiser seguir vertente nenhuma, você nem precisa ser feminista, isso é sobre lésbicas no geral.
Além do enorme problema que é a colonização do feminismo, maior ainda é o perigo da colonização de nossos corpos. 

Estou aqui, despida de vertente, pedindo apenas para que você reflita. 
Não sou sua inimiga! Não permita que doutrinações masculinistas controlem sua mente e corpo!
Quanto aos transativistas, podem discordar, nos hostilizar, ameaçar, mas no fundo vocês sabem que fetichizam o que é ser mulher e lésbica porque não sabem nada sobre isso, a única visão que vocês têm da nossa classe é baseada na perspectiva masculina.
Eu odeio que seja dessa forma, eu não queria que o mundo fosse assim, mas ele é e enquanto vocês não respeitarem as mulheres dentro e fora do feminismo, por mais tempo ficaremos reféns do patriarcado. Não desviem o foco do feminismo, lésbicas não vão liberar o acesso a seus corpos porque “transmulheres” querem e não somos suas opressoras por esse e nenhum outro motivo na configuração patriarcal.
Parem o fundamentalismo transativista, deixem que as mulheres decidam sobre si, respeitem nossos espaços exclusivos e principalmente o templo inviolável que é o nosso corpo.



9 coisas que te tornam uma FEMINISTA melhor.










 Texto original de Setembro/2015, em inglês, por Meghan Murphy para a Feminist Current, link original : http://www.feministcurrent.com/2015/09/11/9-things-that-really-do-make-you-a-better-feminist-than-everybody-else/ 
Caderneta Feminista